segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Habitação e a questão sanitária


Frente à expansão da cidade, o poder público encontrou dificuldades-além de desinteresse, no caso dos bairros populares- para atender a tantas solicitações. Os problemas que mais preocupavam as autoridades eram os que agravavam as condições higiênicas das habitações. Dado que no final do século passado foram inúmeros os surtos epidêmicos que atingiram as cidades brasileiras. Essa questão passou a receber tratamento prioritário do Estado e pode-se dizer que a ação estatal sobre a habitação popular se origina e permanece na Primeira República voltada quase que apenas para esse problema.
O problema da habitação popular no final do século XIX é concomitante aos primeiros indícios de segregação espacial. Se a expansão da cidade e a concentração de trabalhadores ocasionaram inúmeros problemas, a segregação social do espaço impedia que os diferentes estratos sociais sofressem da mesma maneira os efeitos da crise urbana, garantindo à elite áreas de uso exclusivo, livres da deterioração, além de uma apropriação diferenciada dos investimentos públicos. Se as habitações populares não representassem perigo para as condições sanitárias da cidade, nada se saberia sobre elas, pois as únicas informações sobre as mesmas nos chegaram através dos técnicos preocupados com a saúde pública.
A questão sanitária tornou-se, portanto, prioridade para o governo, justificando seu controle sobre o espaço urbano e a moradia dos trabalhadores. Enfim, o medo da classe dirigente de vir a ser atingida pelas doenças, foram as razões que levaram o Estado a intervir no espaço urbano.
As intervenções urbanísticas na área central de São Paulo nos anos 10 foram uma forma do poder público enfrentar a questão das habitações insalubres, à moda de Haussmann e Pereira Passo: expulsando seus moradores e demolindo os cortiços, para afastá-los do centro. Mesmo sem “grandiosidade” que marcou, no Rio de Janeiro, a derrubada para abertura da Avenida Central, as obras viárias e o embelezamento de São Paulo também serviram para sanear “regiões deterioradas”, como o entorno da Sé.
Adotados por todos os níveis do governo e regiões do país, os estímulos à iniciativa privada foram sempre muito bem aceitos por todos: higienistas, poder públicos e empreendedores. Para estes, a vantagem era óbvia, pois aumentariam seus lucros; para o poder público, mesmo que os resultados fossem pífios, era uma forma de mostrar uma iniciativa em favor da melhoria da habitação dos pobres; por fim, para os higienistas, era a oportunidade de difundir o padrão de habitação recomendável. Neste contexto, foram propostas várias leis de estímulo à construção de vilas operárias.
Baseada na casa unifamiliar, a vila operária era o modelo de habitação econômica e higiênica, o ideal a ser atingido. Desde o Império, surgiu incentivos, inclusive isenção de impostos de importação de materiais, para facilitar sua construção. Em São Paulo, a lei 493/1900 previa a isenção dos impostos municipais para as vilas operárias construídas conforme o padrão da prefeitura e fora do perímetro central, incentivo reforçado, em 1908, pela lei 1098.
Num período em que a questão social era tratada como caso de polícia, como uma questão de higiene, na perspectiva de difundir padrões de comportamento, de asseios e de hábitos cotidianos. Fora a abordagem higienista, a participação do Estado foi limitado. O poder público, entretanto, não foi um espectador passivo das condições de moradia dos pobres. Tanto assim que criou uma polícia para vigiá-los, examiná-los e inspecioná-los, e uma legislação para servir-lhes de padrão; porém, pouco fez para melhorar suas moradias, a não ser quando eram chocantes demais – demolindo-as. E este modo de resolver o problema da habitação – característico do autoritarismo sanitário – nada mais é que sua própria recriação.



Fonte : BONDUKI, Nabil - Origem da habitação social no Brasil - Arquitetura Moderna, Lei do Inquilinato e Difusão da Casa Própria

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